Doença Hemorrágica Viral
Apesar da sua situação particular, sem continuidade geográfica com as demais populações, as populações açorianas de coelho-bravo têm sido afetadas por surtos de doença hemorrágica viral (DHV) quase desde o surgimento desta doença noutras áreas da distribuição da espécie. Esta doença é causada por um calicivírus, identificado na China em 1984, que rapidamente se espalhou pelo mundo, tendo atingido a Península Ibérica em 1988 (Abrantes et al., 2012). Nos Açores terá sido detetado pela primeira vez nesse ano, na ilha do Faial (Carvalho et al., 1994), seguindo-se a ilha de São Jorge, em janeiro de 1989 (Carvalho et al 1993), possivelmente a ilha do Pico, também em 1989 (Carvalho 1992), e em abril/maio de 1990 a ilha de Santa Maria (Carvalho and Almeida, 1992). Embora não tenha sido ainda possível detalhar a cronologia dos vários surtos que se verificaram no arquipélago desde a chegada do vírus da DHV (RHDV, da sigla em inglês) à região, até 2014, sabe-se que apenas não se haviam registado surtos na ilha das Flores. Em 2013, as estirpes de RHDV que circulavam na região pertenciam à variante GI.1d mas constituíam um grupo diferenciado, sugerindo uma evolução independente a partir de uma introdução única (Esteves et al., 2014). Entre dezembro de 2014 e março de 2015 verificaram-se surtos de doença hemorrágica em todas as ilhas, tendo a sequenciação dos vírus revelado pertencerem à nova variante RHDV2/b (Almeida et al., 2015, Duarte et al., 2015), que havia sido descrita em França em 2010 (Le Gall-Reculé et al., 2011).
Histórico de ocorrência de surtos de DHV na Região Autónoma dos Açores

O vírus da nova variante da doença hemorrágica terá muito provavelmente sido introduzido nos Açores por ação mediada pelo Homem, tendo sido apresentada queixa-crime contra desconhecidos. Os primeiros coelhos mortos surgiram na ilha Graciosa, a 29 de novembro de 2014, seguindo-se a descoberta de cadáveres, a 2 de janeiro de 2015, nas ilhas Terceira, São Jorge e Flores; a 15 de janeiro de 2015 foram encontrados os primeiros coelhos mortos na ilha do Faial, e no mesmo mês na ilha do Pico. No grupo oriental os surtos só se vieram a detetar a 5 de fevereiro de 2015 em Santa Maria, e a 8 de fevereiro de 2015 em São Miguel.
A sequenciação dos vírus extraídos a partir de coelhos mortos durante estes surtos permitiu traçar a dispersão do RHDV2/b no arquipélago (Almeida et al., 2015). A maior diversidade haplotípica observada nas amostras da ilha Graciosa, e a sua posição central na rede de haplótipos, indicaram que esta terá sido de facto a ilha de entrada da nova variante nos Açores. Já a semelhança genética entre os vírus isolados das amostras das ilhas do Faial e de São Jorge, suportaram a sua introdução a partir da Graciosa. Contudo, para a ilha de São Jorge, os resultados suportaram ainda a possibilidade de múltiplas introduções a partir dessa ilha, já que se verificou partilha de haplótipos em vários haplogrupos. Os resultados indicaram ainda que terá sido também a partir da ilha Graciosa que o vírus chegou às ilhas Terceira, das Flores, de Santa Maria e do Pico; e que a dispersão para São Miguel terá ocorrido a partir da ilha Terceira. Estes movimentos terão também, muito provavelmente, sido mediados pelo Homem, embora não se possa descartar a dispersão por aves.
Dispersão da RHDV2/b na Região Autónoma dos Açores

Como primeira resposta aos surtos iniciais de RHDV2/b a caça foi sendo interditada nas várias ilhas, após deteção dos primeiros coelhos mortos. Em algumas ilhas não foi possível permitir a caça ao coelho-bravo nos anos seguintes. Desde então, a doença hemorrágica viral tem sido monitorizada pormenorizadamente, através de prospeções regulares de cadáveres para deteção de surtos, análise laboratorial de amostras recolhidas em cadáveres de coelho-bravo com suspeita de DHV, para despiste de possíveis surtos, e pela análise serológica de coelhos recém caçados, para avaliação do nível de imunidade das populações, bem como inferir possíveis surtos que tenham ocorrido ao longo do ano.
Referências:
Abrantes J, van der Loo W, Le Pendu J & Esteves PJ. 2012. Rabbit haemorrhagic disease (RHD) and rabbit haemorrhagic disease virus (RHDV): A review. Veterinary Research, 43: 12-20.
Almeida T, Lopes AM, Magalhães MJ, Neves F, Pinheiro A, Gonçalves D, Leitão M, Esteves PJ & Abrantes J. 2015. Tracking the evolution of the G1/RHDVb recombinante strains introduced from the Iberian Peninsula to the Azores islands, Portugal. Infection, Genetics and Evolution 34: 307-313.
Carvalho GDF & Almeida LMM. 1992. Contribuição para o estudo de uma população de coelhos selvagens (Oryctolagus cuniculus, L.) na ilha de Santa Maria e o impacto do R.V.H.D. na população local. In Relatórios e Comunicações do Departamento de Biologia. Vol. 19, pp. 61-67.
Carvalho GDF. 1992. Contribuição para o estudo da dinâmica populacional do coelho selvagem Oryctolagus cuniculus L. da Ilha do Pico (Açores). Relatórios e Comunicações do Departamento de Biologia, Vol. 20: 39-47.
Carvalho GDF, Ferrand N, Fonseca A, Branco M, Azevedo M, Mendes R, Batista P & Mântua P. 1993. Estudo de uma população de coelhos selvagens (Oryctolagus cuniculus, L.) na Ilha de São Jorge, Açores. Relatórios e Comunicações do Departamento de Biologia, Vol. 21: 8-20.
Carvalho GDF, Fonseca A, Cruz A, Célio P, Mântua P, Simões C, Silva S & Arruda G. 1994. Estudo preliminar de alguns parâmetros de uma população de coelho selvagem (Oryctolagus cuniculus) da ilha do Faial – Açores. In Relatórios e Comunicações do Departamento de Biologia. Vol. 22, pp. 49-60. Ponta Delgada, Portugal: Universidade dos Açores.
Duarte M, Carvalho C, Bernardo S, Barros SV, Benevides S, Flor L, Monteiro M, Marques I, Henriques M, Barros SC, Fagulha T, Ramos F, Luís T & Fevereiro M. 2015. Rabbit haemorrhagic disease virus 2 (RHDV2) outbreak in Azores: Disclosure of common genetic markers and phylogenetic segregation within the European strains. Infection, Genetics and Evolution, 35: 163-171.
Esteves PJ, Lopes AM, Magalhães MJ, Pinheiro A, Gonçalves D & Abrantes J. 2014. Rabbit hemorrhagic disease virus detected in Pico, Azores, Portugal, revealed a unique endemic strain with more than 17 years of independent evolution. Viruses, 6: 2698–2707.
Le Gall-Reculé G, Zwingelstein F, Boucher S, Le Normand B, Plassiart G, Portejoie Y, Decors A, Bertagnoli S, Guérin JL & Marchandeau S. 2011. Detection of a new variant of rabbit haemorrhagic disease virus in France. Veterinary Record, 168: 137-138.
Última atualização: 04 de outubro de 2023
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